CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. 3ª. Ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008.
CAPÍTULO IV
1. Introdução
- Ponto central-> legitimidade do poder político (justificação do uso da violência): vínculo com Direitos Humanos X mera legalidade
2. Teorias de Justificação da Pena
-Retributivismo - Kant, Hegel - ideia arcaica de retribuição do mal com o mal; iluminismo: modelo indenizatório vinculado ao inadimplemento contratual
-Crítica ao retributivismo: Ferrajoli - crença errônea na relação de causalidade entre crime e castigo
- Prevenção geral negativa - modelo intimidatório - Beccaria (pacto social); Feuerbach
- Críticas ao modelo intimidatório: Carrara - as ideias de prevenção geral negativa levariam a um progressivo aumento das penas (o culpável não teve temor da pena; por isso, para infundir temor aos demais seria necessário aumentá-la); Radbruch - 'terrorismo penal'
- Perspectiva política de prevenção social - Marat: Estado -> dever de promoção da igualdade formal e material; culpabilidade diminuída pela miserabilidade do agente -> princípio da co-culpabilidade (co-responsabilidade) estatal pelo delito
- Prevenção especial e a justificativa etiológica:
(Nota: etiologia -> estudo das causas)
a) Lombroso, Ferri, Garófalo: fundamentação 'medicalizada' do discurso sobre o crime e o criminoso
b) Ação desviante = patologia, anomalia
c) Pena corresponderia a uma espécie de tratamento do criminoso e uma medida de higienização social
d) Problema da periculosidade -> subjacente aos conceitos e juízos de valor sobre personalidade e conduta social (artigo 59, CP)
e) A pena teria intenção neutralizadora, de eliminação ou recuperação do indivíduo criminoso
-Crítica garantista ao modelo periculosista e à subjetivação processual: fere a taxatividade; pune-se o ser pelo que é, e não pelo que fez (direito penal do autor X direito penal do fato)
3. Necessidade de uma teoria da pena
- Modificação proposta: não mais uma teoria justificante do 'direito de punir', mas uma teoria normativa sobre limites e condições de legitimidade da pena, fundadas em fins específicos;
- Tais fins estariam vinculados à diminuição da dor e do sofrimento pela aplicação da pena; ao reconhecimento da pena na esfera política ("o conceito da pena não é um conceito jurídico, mas um conceito político. Este ponto é capital" Tobias Barreto); tutela do pólo débil contra vingança desproporcional (pública ou privada).
4. Proposta garantista de limitação do poder punitivo
- Separação entre direito e moral;
- Relação Simétrica entre os meios e os fins penais;
- Pena = mínima necessária
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CAPÍTULO V
1. Valores e princípios
-O condenado e o status 'apátrida': eliminação do direito de participação política; eliminação do direito de reivindicar direitos; relação com os condenados do sistema punitivo: obstrução dos canais de acesso à jurisdição, aliada à suspensão do direito ao voto do condenado.
- A prisão não pode constituir território no qual as normas constitucionais não tenham validade (Catão e Sussekind)
- Ideia predominante antes da LEP e da Constituição de 1988: a atividade jurisdicional cessaria com a condenação. A partir de então, a administração penitenciária definiria os rumos da execução penal (fundamento na separação radical entre os poderes estatais) -> ambiente desprovido de garantias; sentença condenatória como declaração de 'não-cidadania', como formalização da condição de apátrida do autor do fato-crime.
- Reivindicações do status dignitatis dos encarcerados: incidência da jurisdição na execução penal, conformando um "modelo misto" de execução, ou seja, administrativa mas com fortes traços processuais.
- Princípio da prevalência dos direitos humanos; ideia de dignidade de todos ser humano em qualquer local que se encontre -> dignidade nasce com a pessoa e é seu patrimônio indisponível e inviolável.
- Princípio da secularização: rompimento dos vínculos entre direito e moral -> condição na formação de um modelo constitucional garantista (art. 5o., incisos IV, VI, VIII, IX, X, CF/88).
2. Sistemas de execução penal
3. Fundamentos ideológicos da LEP e suas consequências normativas
- Principal objetivo da pena: ressocialização do condenado (LEP, 1984 - orientação dos movimentos da Nova Defesa Social da década de 80).
- Prisão vinculada a projeto de transformação dos indivíduos
- Disciplina: vigilância hierárquica, sanção normalizadora e exame técnico
- Crítica: os métodos disciplinares são ontologicamente inquisitoriais (decisões disciplinares no interior das instituições desprovidas de pré-determinações regulamentares e, quando o são, apresentadas de forma ambígua e lacunar, aumentando o arbítrio do corpo administrativo)
4. Controle da identidade do preso: laudos e perícias criminológicas
- Discurso oficial: individualização administrativa da pena; Comissão Técnica de Classificação -> observatório do cotidiano do apenado, determinação de acompanhar a execução das penas privativas de liberdade; Centro de Observação Criminológica -> 'perfil do preso' - fornecem instrumentos de auxílio nas decisões judiciais dos incidentes da execução
- Funções reais: psiquiatrização da decisão do juiz da execução; rompimento com o princípio da secularização (julgamento das opções e condições de vida do condenado); impedimento do contraditório; processo de execução e procedimentos que requerem avaliação pericial são balizados por juízos sobre a personalidade -> modelo de direito penal do autor e modelo criminológico etiológico, refutado pelo sistema constitucional de garantias (inviolabilidade da intimidade, respeito à vida privada e à liberdade de consciência e de opção); diagnósticos arbitrários e prognósticos fatalistas.
5. Controle da 'massa carcerária': regime meritocrático
- Faltas (arts. 50 a 52 da LEP): instrução e julgamento presidido pela administração penitenciária; comunicação ao juízo da execução apenas para fins de regressão de regime, revogação de saída temporária, perda de remição e conversão de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade; procedimento essencialmente administrativo e orientado pela inquisitorialidade.
- Recompensas pelo 'bom comportamento' do apenado e sua colaboração com a ordem e a disciplina, bem como dedicação ao trabalho atribuído (comportamento = requisito para progressão e outros benefícios legais; trabalho = remição)
6. Garantismo e execução penal
- Volatilidade da pena: sistema progressivo = alteração da quantidade (tempo) e qualidade (forma) da execução da pena
- Crítica ao sistema progressivo: Ferrajoli -> indagação sobre a legitimidade de reduzir ou aumentar a pena conforme os resultados do 'tratamento penal'
- A alteração da coisa julgada na esfera executiva penal é intrínseca ao projeto correcionalista
- O "bom comportamento carcerário" = ausência de registro de cometimento de falta grave pelo apenado nos últimos 12 meses de cumprimento de pena
- Sobre as faltas graves: Procedimentos Administrativos Disciplinares (PAD's) não são harmônicos com a estrutura acusatória do rito garantista (ausência de ampla defesa, contraditório e publicidade; sanções disciplinares; etc.)
- Imposição de programas de ressocialização: além de ferir a premissa da voluntariedade de qualquer tratamento, transforma o encarcerado em objeto entregue ao laboratório criminológico do cárcere
- Documento Final do Programa de Investigação desenvolvido pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos (ordenamentos jurídicos latino-americanos): em geral, os informes sobre o condenado tendem a ser estigmatizantes, agregando expedientes com sentido infamante altamente negativo -> agressão e violação à esfera íntima da pessoa, que não deveria ser afetada pela pena privativa de liberdade
- Controle do tempo: morosidade processual na execução penal (problemas concretos)
- Necessidade de recodificar a execução, restabelecendo a ideia de sistema processual e sua estrutura principiológica
- Ferrajoli: necessidade de alteração do teto abstrato de cominação das penas para, no máximo, dez anos; alteração da pena mínima à indeterminação, ficando a critério do juiz sua fixação -> o delito, ao contrário da pena, não é quantificável, e os critérios para medição da gravidade, tanto da perspectiva do dano quanto da culpabilidade foram, até a atualidade, um grande fracasso (critério mínimo = garantia do Estado frente ao infrator - entendida por Ferrajoli como supérflua, uma vez que o Estado já detém o poder absoluto sobre o castigo).
-Vinte anos é o limite máximo de pena de reclusão em países como França, Bélgica, Suíça, Noruega, Luxemburgo e Grécia; dezesseis anos na Dinamarca e na Islândia; doze anos na Finlândia, e dez anos na Suécia.
- Importante a possibilidade de responsabilização dos agentes dos Poderes Judiciário e Executivo por violações dos direitos da pessoa presa (inúmeras ocorrem por parte da administração pública - a respeito, ver, por ex., http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/24258-total-de-denuncias-sobre-o-sistema-carcerario-40-sao-sobre-maus-tratos). Sugestão de responsabilização funcional e pessoal, inclusive penal, do juízes por negligência na vigilância dos estabelecimentos, a fim de acabar com a indiferença judicial.
- "No que diz respeito às nossas prisões, sabe-se desde há muito que, em nosso país, experimentamos a realidade de um sistema absolutamente fora da lei... O surpreendente, diante dessa característica, além das responsabilidades evidentes dos executivos, é a inoperância quando não a cumplicidade da esmagadora maioria dos assim chamados 'operadores do direito'". Marcos Rolim
Ótimo!!!
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